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segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

DE CHATÔ A AÉCIO, A LONGA AGONIA DO "ESTADO DE MINAS"


 Bastidores
Hoje, trazemos um precioso relado da morte – ainda não de todo morrida – de outro grande jornal, O Estado de Minas, feito pela jornalista – e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG – Ângela Carrato.
Hoje, os jornalistas fizeram nova manifestação na porta da empresa, na esperança de receberem o décimo-terceiro salário. A crise atinge boa parte do que sobrou dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, em Minas, Brasília e Rio de Janeiro. Em apoio a eles, sem pedir licença, reproduzo o texto de Ângela, publicada na página do Estação Liberdade, projeto que ela mantém no Facebook com o jornalista Geraldo Elísio Lopes.


por Ângela Carrato

Álvaro Teixeira da Costa, o principal dirigente dos Diários e Emissoras Associados em Minas Gerais, tinha razão. Se Aécio Neves e os tucanos não vencessem as eleições de 2014, as coisas iriam ficar feias para a empresa. Certo disso fez sua parte. Além da linha editorial chapa branca dos veículos do grupo – jornais Estado de Minas e Aqui, TV Alterosa e portal Uai – ter exaltado o PSDB e combatido sem trégua o PT e seus apoiadores, valendo-se de tudo quanto é esquema sujo, ele próprio se superou. Transformou uma das dependências da TV Alterosa em Comitê Tucano, usou a intranet para convocar funcionários a participar de atos de campanha pró-Aécio na Praça da Liberdade, pressionou e coagiu quem não rezasse por sua cartilha, além dele próprio ter estado presente ao ato.

Segundo consta, Álvaro foi o segundo a abraçar Aécio no palanque, logo após o dirigente estadual do PSDB. A situação se repediu meses depois, quando em plena manifestação contra a presidente reeleita, Dilma Rousseff, também na Praça da Liberdade, o dirigente Associado disputou, quase a tapa, o privilégio de ser o primeiro a abraçar Aécio. Mas, igual ao seu candidato, ficou em segundo lugar.

Tamanho empenho se explica: os 12 anos de governos tucanos em Minas Gerais foram determinantes para garantir uma razoável sobrevida ao grupo. Sem o dinheiro público injetado mensalmente na empresa pelos tucanos, dos quais não faltam acusações de prover de negócios escusos com a comercialização do nióbio de Araxá, o descalabro administrativo há muito seria do conhecimento público.
SALÁRIO ATRASADO E TRUCULÊNCIAS
Fartos de todo tipo de pressão e enganação, os funcionários dos Associados denunciaram ao Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais que a empresa não tinha pago o 13º salário. A denúncia se somava a outras protagonizadas pela empresa em 2015: atrasos no pagamento de férias, tickets refeição, plano de saúde e nos depósitos do FGTS. Antes de decidirem pela paralisação, por 24 horas, na segunda-feira (28), os funcionários tentaram todo tipo de negociação. Não conseguiram quase nada. Receberam apenas 25% do salário devido e não têm data para receber o restante. A empresa se recusa a dialogar e tem se valido de truculência para tentar dissuadir as manifestações.

Pelo que se sabe, a crise nos Associados é muito mais ampla do que alguns imaginavam. O prédio da avenida Getúlio Vargas, em Belo Horizonte, devido a complicações com o extinto Banco Rural, está indisponível. O imóvel onde funciona a TV Alterosa, na avenida que leva o nome de Assis Chateaubriand, fundador do grupo, já foi vendido e a emissora em breve terá que desocupá-lo. A maioria dos bancos e financeiras se nega a fazer qualquer empréstimo ao grupo e o governo não é mais o do Aécio, para pagar a conta do descalabro administrativo dos herdeiros do que restou do império de Chateaubriand.

A credibilidade, principal ativo em qualquer empresa de mídia, também está em baixa nos Associados. As tiragens do Estado de Minas e do tablóide Aqui há muito vem minguando, com os anunciantes igualmente abandonando o barco. O parque gráfico da empresa, que chegou a ser o maior e mais moderno de Minas Gerais, hoje perde feio para o do concorrente O Tempo. Mas se os tucanos tivessem vencido as eleições, nada disso seria problema.


ROUBALHEIRA E PRIVILÉGIOS

Já na década de 1950, o jornalista Samuel Wainer, fundador da Última Hora, um dos mais ácidos críticos de Assis Chateaubriand, dizia que os Associados viviam permanentemente com buracos no caixa. Mais ainda: enfatizava que os dirigentes Associados caracterizavam-se pela roubalheira e privilégios enquanto os funcionários iam de mal a pior. O segredo para tanto era o puxa-saquismo aos poderosos de plantão, o achaque e a perseguição aos adversários e inimigos e a falta permanente de escrúpulos. Receita que os herdeiros de Chateaubriand em Minas Gerais seguiram à risca.

Em 1964, os dirigentes dos Associados em Minas não foram apenas apoiadores do golpe civil-militar que derrubou o presidente João Goulart. Foram conspiradores de primeira hora. Tornaram-se tristemente célebres as reuniões entre políticos e empresários no edifício Acaiaca, no centro de Belo Horizonte, onde, na época funcionava a principal emissora de televisão do grupo, a Itacolomi.

Uma vez no poder, os dirigentes dos Associados perseguiram seus concorrentes na mídia – entre 1964 e 1970, quase uma dezena de jornais foram fechados ou fecharam em Belo Horizonte – além de terem pedido a prisão de centenas de jornalistas, intelectuais, sindicalistas, estudantes e militantes de esquerda. Esta, aliás, é uma das razões para o êxodo de jornalistas mineiros nas décadas seguintes ao golpe. É também uma das principais razões para a péssima qualidade, com as raríssimas exceções que se conhece, que passou a caracterizar o que sobrou da imprensa mineira de então.

Hegemônico durante a década de 1970, os desejos dos Associados foram prontamente atendidos pelos governadores biônicos da Arena, o partido de apoio à ditadura. O último deles, Francelino Pereira, bancou a construção do novo parque gráfico da empresa, que funciona na avenida Mem de Sá. Os Associados não pagaram. Francelino não cobrou e ficou por isso mesmo.


APOIO DE AURELIANO E FRANCELINO

Tancredo Neves, o avó do Aécio, nos dois anos em que esteve à frente do governo de Minas (1983-1985) também fez vistas grossas para a dívida, mais interessado que estava em chegar à presidência da República. Hélio Garcia, que assumiu o governo com sua renúncia para disputar o Colégio Eleitoral, chegou a estabelecer os termos da negociação: a dívida seria paga através de publicidade nos veículos do grupo. Igualmente não funcionou. Até porque o assessor especial de Garcia era ninguém menos do que o filho de um dos dirigentes dos Associados.

A dívida foi parar no Tribunal de Contas do Estado (TCE), mantida, claro, a sete chaves. Quando da briga política entre o governador Newton Cardoso (PMDB) e os Associados, em 1987, Newton foi alertado por assessores que poderia através dela dar um xeque-mate na empresa que fazia aberta campanha de difamação contra ele. Na época, Newton chegou a entrar em negociações com Gilberto Chateaubriand, que se julgava herdeiro do grupo, com o objetivo de comprá-lo. Mas a Justiça frustrou Gilberto Chateaubriand, ficando Newton Cardoso apenas com um percentual de cotas condominiais.

Quanto à dívida, preferiu também dar tempo ao tempo. Da parte dos Associados, o que garantiu sua sobrevivência na época, longe dos cofres públicos de Minas Gerais, foi o apoio publicitário que recebeu dos então ministro das Minas e Energia, Aureliano Chaves, e do vice-presidente do Banco do Brasil, Francelino Pereira, sem os quais certamente teria encerrado suas atividades.
“SE A RUA GOIÁS NÃO DEU, NÃO ACONTECEU”

Newton foi sucedido por Hélio Garcia que novamente não só fez vista grossa para a dívida dos Associados, como lhe garantiu régia publicidade. Se a empresa tivesse um mínimo de seriedade, teria aproveitado o momento para se reorganizar. Mas não. Os dirigentes continuaram levando vida de nababos, com a empresa e os funcionários no vermelho. A arrogância era tamanha que a frase mais repetida pelos dirigentes dos Associados, diante da mais leve crítica, era: “se a rua Goiás não deu, não aconteceu”. Rua Goiás era onde funcionava a sede da empresa, antes de se mudar em 2000, para o moderno e amplo prédio, agora indisponível.

No governo de Eduardo Azeredo, recentemente condenado a 20 anos de prisão pela atuação no Mensalão Tucano, os Associados voltaram aos “bons tempos”, mandando e desmandando em Minas Gerais. Convencidos como os próprios tucanos, que Azeredo seria reeleito, tiveram que amargar a vitória de Itamar Franco (PMDB). Fato que explica a permanente indisposição da empresa contra Itamar que respondeu reduzindo substancialmente a publicidade oficial para o grupo.

Diante da intransigência de Itamar, os Associados se valiam das verbas do amigo tucano Fernando Henrique Cardoso, então presidente da República, que nunca mediu esforços para destruir o seu criador político. Contavam também, desde aquela época, com o apoio do neto do Tancredo que à frente da Câmara dos Deputados, colocou-se à disposição para resolver os problemas envolvendo buracos no caixa da mídia brasileira, vide a aprovação da PEC que permitiu a presença de capital estrangeiro no setor, medida até então vedada pela Constituição.

PAGAMENTO FIXO GARANTIA FLUXO DE CAIXA

Tão logo assumiu o governo de Minas, Aécio se transformou em “amigo de infância” dos dirigentes Associados. Almoços, jantares, noitadas e, obviamente favores, privilégios e publicidade farta sempre estiveram presentes no cardápio destes encontros. Um pagamento fixo chegou a ser estabelecido para garantir o fluxo de caixa da empresa, que o maquiava através de cadernos e publicações especiais. No Aécio governador nunca se viu, nem de longe, a mais leve sombra de mágoa com o que os Associados fizeram com seu avó, quando candidato ao governo de Minas. Para quem era muito jovem naquela época, basta lembrar que qualquer informação sobre a campanha de Tancredo nas páginas dos Associados só era publicada se fosse paga e, mesmo assim, a peso de ouro.

Como uma mão lava a outra, os Associados proibiram qualquer crítica, por mais leve que fosse, aos governos de Aécio Neves e de seu sucessor, Antônio Anastasia. Razão pela qual os mineiros não ficaram sabendo dos abusos, desmandos e descalabros cometidos pelos tucanos. Abusos que começam com o acobertamento do pai dos Mensalões no Brasil, denunciado em 2007, passam pela privatização da Cemig, através da empreiteira Andrade Gutierrez, envolve a construção da Cidade Administrativa – uma obra que consumiu mais de R$ 2 bilhões aos cofres públicos -, a entrega dos recursos minerais do Estado às empresas estrangeiras e culmina com a quebra do próprio Estado de Minas Gerais, com um rombo de mais de R$ 7 bilhões nas contas públicas. Isto sem falar em centenas de obras paradas, no desmantelamento das áreas da saúde e educação, na contratação, sem concurso, de quase 100 mil funcionários, além da demissão e perseguição de professores e na prisão de jornalista que não rezava pela cartilha aecista.

Num primeiro momento, os Associados, como a maioria da mídia tradicional brasileira, tentou jogar nas costas da presidente Dilma Rousseff a responsabilidade pela má situação financeira em que se encontra. Pediu auxílio aqui e acolá e foi atendido. Em várias oportunidades, o concorrente O Tempo, do empresário Vittorio Mediolli, autorizou que a sua empresa, a Sempre Editora, emprestasse papel para que o ex-grande jornal dos mineiros não deixasse de circular. Mediolli, inclusive, esteve perto de comprar o Estado de Minas, mas teria desistido da transação, pelo que se sabe, no momento em que Álvaro Teixeira da Costa tentou se incluir no pacote.

SILÊNCIO CÚMPLICE

Também no meio acadêmico mineiro, onde se imagina que domine o livre pensar, a influência dos Associados sempre esteve presente. Lá, o que prevaleceu, todos estes anos, com as exceções de praxe, foi um silêncio cúmplice, quando não oportunista por parte de professores e alguns autointitulados pesquisadores, eternos candidatos e candidatas a intelectuais provincianos.

A única razão para se lamentar a situação a que os Associados chegaram é o sofrimento e a insegurança que centenas de funcionários e suas famílias estão experimentando. Fora isso, é no mínimo ridículo argumentar que o jornal Estado de Minas, por exemplo, constitua um patrimônio a ser preservado. Que patrimônio é esse que sempre trabalhou contra os interesses da maioria da população de Minas e do Brasil? Que patrimônio é esse que sempre esteve ao lado dos golpistas (do passado e de hoje) e caracteriza-se pelo desrespeito permanente aos seus funcionários e aos cidadãos?

Para cúmulo da ironia, quando a direção dos Associados aciona, como fez nesta terça-feira (29) o batalhão de choque da Polícia Militar para intimidar funcionários em greve que reclamam pacificamente os seus direitos trabalhistas, das telas dos cinemas em Belo Horizonte, Chatô, em cartaz, contempla o que pode ser o capítulo final do império que criou.

Como toda crise oferece também oportunidades, está na hora dos funcionários dos Associados aproveitarem a reunião intermediada pelo Ministério do Trabalho, marcada para esta quarta-feira (30), para exigir transparência e conhecer qual é realmente a situação da empresa. Só a partir daí, poderão pensar em soluções cabíveis para receberem o que lhes é devido.

A intermediação é fundamental, porque a atual direção dos Associados não mais reúne condições para seguir dando as cartas, pois ela é o problema. Fora isso, as alternativas não são nada animadoras: tapar o sol com a peneira ou continuar capengando à espera que Aécio ou alguém do seu quilate seja eleito e restaure os “anos dourados”. Pelo visto, quem fizer tal aposta vai esperar sentado.



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