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sexta-feira, 20 de março de 2015

FRAGMENTOS DA ÓTIMA ENTREVISTA COM HISTORIADORA ANITA PRESTES


Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutora em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Anita Prestes nasceu na prisão feminina do campo de concentração de Barnimstrasse, em Berlim, na Alemanha, após ser separada da mãe, a alemã Olga Benário. 

Judia e comunista, Olga veio ao Brasil para ajudar Prestes, mas foi entregue grávida aos nazistas pelo governo brasileiro e executada aos 34 anos em um campo de concentração de Bernburg em 23 de abril de 1942.

Anita Prestes
Motivada pelo legado familiar, Anita dedicou a maior parte da vida acadêmica a pesquisar sobre os 70 anos de atuação política do pai Luiz Carlos Prestes, falecido aos 92 anos em 1990. Ao longo da carreira, publicou inúmeros livros. O mais recente, “Luiz Carlos Prestes – O Combate por um Partido Revolucionário”, lançado em 2012, aborda o período de 1958 a 1990. Atualmente a pesquisadora está terminando a biografia mais completa sobre a história de Prestes. O livro que reúne informações coletadas em mais de 30 anos tem previsão de lançamento para maio ou junho pela Boitempo Editorial, de São Paulo.
Se tratando de política de esquerda, o Brasil hoje tem algum partido realmente representativo?
Olha, acho que não. Há uma pobreza muito grande de lideranças e de partidos. Existe muita propaganda mentirosa sobre o que é o socialismo, além da indiscutível falsificação da história. Muitos se aproveitam disso. O que temos hoje é o PCB, um partido pequeno, pouco representativo e que tem como atual secretário geral o Ivan Pinheiro que faz um bom esforço de organização popular, mas enfrenta muitas dificuldades.
Por que quando se fala em políticas de esquerda, principalmente na internet, as pessoas trocam agressões com tanta facilidade?

O papel da mídia é muito poderoso. Há um conjunto de meios que influem na mente das pessoas. Mas não há nada como a realidade, né? Na medida em que as próprias contradições do capitalismo se acentuam, as pessoas começam a ver a necessidade de mudança. Com isso, muita gente chega ao marxismo e percebe a necessidade de lutar por transformações mais profundas na sociedade.
Na sua opinião, o neoliberalismo se opõe à democracia?
Vejo o neoliberalismo como um eufemismo do capitalismo. Quando o capitalismo surgiu havia um anseio de democracia, mas de democracia voltada para as elites, para a burguesia, não para os trabalhadores. Um exemplo foi o que aconteceu na Revolução Francesa. Hoje vivemos um período em que a burguesia se sente a perigo porque vê que há mais insatisfação e contestação social. A realidade é que nesse ambiente de luta crescem também as probabilidades de haver menos democracia e mais repressão. Sem dúvida, a democracia no Brasil ainda é só para os poderosos.
O socialismo pode reacender no Brasil no futuro?

Mais cedo ou mais tarde, a luta vai ser intensificada. Acredito que as lideranças populares do Brasil têm condições de estudarem mais, se prepararem, se organizarem e conduzirem o país para o verdadeiro caminho do socialismo. Acho que Cuba é uma grande referência porque lá o socialismo ainda sobrevive, apesar de todas as dificuldades. Eles sofrem muito porque é um país pobre, sem recursos naturais, uma pequena ilha perseguida e bloqueada ao lado dos Estados Unidos. Além disso, como diz o próprio Fidel Castro, não existe receita para a construção do socialismo. Logo cometem-se muitos erros que precisam ser corrigidos. Eles reconhecem isso e se empenham em aperfeiçoar o sistema.
As vitórias do Syriza na Grécia e do Podemos na Espanha representam mais proximidade com os ideais socialistas?

Independente das vitórias desses partidos, não acredito que Grécia e nem Espanha estão a caminho de um governo socialista. Os próprios partidos não têm posições socialistas. São dois países vivendo um renascimento da social-democracia, com políticas que no fundo mascaram a exploração capitalista, o que não contribui efetivamente para a emancipação dos trabalhadores.
Como a senhora qualifica o papel da mídia brasileira nas mudanças políticas das últimas décadas?
A mídia continua nas mãos das classes dominantes, favorecendo os interesses da burguesia. No Brasil, há uma grande resistência do Congresso Nacional que não quer a democratização da mídia porque defende os interesses das elites reacionárias, de direita. A TeleSUR, emissora de televisão da Venezuela, tem um convênio assinado com o Brasil desde 2005 para transmitir os seus programas pela TV Brasil. O acordo não sai do papel por causa da resistência da diretoria da emissora e do congresso. Eles não querem que os brasileiros conheçam a versão venezuelana dos fatos. A Argentina já transmite programações de emissoras da Venezuela e da Rússia. A RT, por exemplo, que é uma TV russa, faz oposição ao Ocidente. É importante ter a oportunidade de comparar apresentações antagônicas sobre um mesmo acontecimento. Essa infeliz unilateralidade das informações também se aplica ao que acontece na Ucrânia.
O trabalho da Comissão da Verdade e as revisões sobre os acontecimentos do período da ditadura militar significam avanços?

Acho que foi um avanço pequeno e atrasado, diferente do que aconteceu na Argentina, Uruguai e Chile. Nesses países, generais e torturadores foram condenados e presos. Aqui no Brasil houve uma anistia muito problemática, tanto para a esquerda quanto para os torturadores, o que é uma coisa absurda. Afinal, a tortura é um crime inafiançável. Infelizmente o Supremo Tribunal Federal declarou há dois ou três anos que não se pode mexer na lei da Anistia. Reconheço que a Comissão da Verdade esclareceu alguns casos e movimentou o assunto, mas ainda precisamos de uma revisão da Lei da Anistia e o julgamento dos torturadores que estão vivos. Falta também um posicionamento da Anistia Internacional e da ONU.
O PCB antigamente mantinha bastante contato com partidos internacionais. Ele ainda mantém a tradição?

Ele mantém sim. O PCB tem bastante contato com partidos comunistas internacionais. No geral, com partidos de esquerda da América Latina e da Europa.
Existe a possibilidade de haver uma unificação dos partidos de esquerda, seguindo o exemplo da Internacional Comunista?

Já foi levantada essa questão e está ainda em discussão. Realmente não é uma coisa fácil de se colocar em prática.
Como estão os preparativos para o lançamento da nova biografia sobre o Luiz Carlos Prestes?
A previsão é de que saia em maio ou junho, pela Boitempo Editorial, de São Paulo. Tive que reavaliar todo o material de pesquisa acumulado em mais de 30 anos. Fui para Brasília em setembro do ano passado e recebi uma grande ajuda da presidente do Superior Tribunal Militar que me disponibilizou DVDs com muitas informações sobre os acontecimentos de 1935. A biografia já tem mais de mil notas de rodapé citando fontes. Não tinha como ser diferente porque a trajetória do meu pai começou no tenentismo e foi até 1990. Ele participou de diferentes movimentos políticos no Brasil e no cenário mundial. Era um importante membro da comissão executiva da Internacional Comunista, assim como minha mãe.
 


FONTE: ODiario.Info

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