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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

25 anos após a morte de Chico Mendes, qual seu legado na Amazônia?





Chico com a mulher Ilsamar

Publicado originalmente na BBC Brasil.
A pouco mais de 40 km da capital do Acre, Rio Branco, uma área de cinco mil hectares de um antigo seringal em uma região progressivamente tomada pela pecuária representa bem a situação vivida por seringueiros do Estado 25 anos após a morte do líder ambientalista Chico Mendes.
O que sobrou de floresta do seringal Capatará – que chegou a ter 62 mil hectares de mata nativa, mas hoje é principalmente usado como pasto – está localizado a poucos quilômetros de distância da Reserva Extrativista Chico Mendes, uma das maiores unidades de conservação do país.
No Capatará, ao menos 130 famílias vivem um impasse, esperando uma definição sobre se serão obrigadas a sair ou se poderão permanecer na área, agora ocupada por uma grande propriedade rural.
Mas, se na época de Chico Mendes, jagunços armados faziam o trabalho de retirar os seringueiros, agora os mandados de reintegração de posse são o método mais usado para assegurar a integridade das fazendas.
“Eu acho que nossa luta hoje está pior do que no tempo de Chico. Os fazendeiros estão mais fortes e dominam todos os órgãos que deveriam defender a causa do trabalhador sem-terra. Nosso movimento (dos trabalhadores rurais) está enfraquecido por as lideranças serem cooptadas pelo governo”, declara José Apolônio, que foi amigo de Chico Mendes e agora é organizador do movimento de resistência das famílias do seringal.
“Muitas das pessoas que estão aqui já moravam por estas bandas quando tudo era floresta. Seus filhos e netos lutam para ter um pedaço de terra que lhes é de direito. Estas famílias chegaram antes do fazendeiro”, diz.
Resistência
No início dos anos 1980, Chico Mendes começava na cidade de Xapuri os primeiros movimentos de resistência à “invasão” da floresta pelos “paulistas”, como ficaram conhecidos os fazendeiros de outros Estados que emigravam para o Acre.
Semanas após o assassinato de Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade acriana de Brasileia, em 1980, o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado de Chico Mendes, declarou: “a onça vai beber água”.
A declaração foi vista como uma ameaça e rendeu a Lula e a Chico o enquadramento na Lei de Segurança Nacional.
O regime militar brasileiro estava em seus últimos anos, mas ainda tinha força suficiente para manter a ordem. Com o lema “uma terra sem homem para homem sem terra”, os militares incentivaram a ocupação do Norte. Os seringais falidos do Acre eram vendidos e transformados em pasto.
Em seu movimento de resistência, a estratégia mais conhecida de Chico Mendes foram os “empates”, correntes humanas formadas na frente de homens e máquinas que tinham por missão derrubar as árvores.
A luta de Chico Mendes lhe garantiu prestígio internacional, bem como a conquista de alguns inimigos. E foi um deles, Darly Alves, o responsável por elaborar o plano da emboscada contra o líder seringueiro.
No dia 22 de dezembro de 1988, com a toalha pendurada no ombro, Chico se preparava para tomar banho no banheiro localizado no lado de fora da casa.
Quando apareceu na porta, o tiro de espingarda foi disparado; a bala o atingiu no peito. Ele ainda conseguiu voltar para o interior da casa, onde morreu. O crime chamou a atenção do mundo. Jornalistas de todo os lugares ocuparam a pequena cidade de Xapuri.
Dias depois soube-se que o autor do disparo foi Darci Alves, filho de Darly.
Em extinção
Hoje, o seringueiro é quase uma figura em extinção no Acre. A falência da economia extrativista levou os povos da floresta a investir na agricultura de subsistência e criação de animais, como o próprio gado.
O extrativismo sucumbiu ante a força da pecuária introduzida na região. Dados mais recentes do IBGE apontam que o Acre tem três milhões de cabeça de gado, número quase quatro vezes superior à população do Estado, de 776 mil habitantes.
Para os fazendeiros, as mudanças no Estado trouxeram dinamismo à economia do Acre. “Não fosse a pecuária introduzida há 40 anos, certamente o Acre estaria numa situação bem mais pobre. A pecuária salvou o Acre da falência do extrativismo, que tem se mostrado inviável até hoje”, diz Assuero Veronez, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária.
De acordo com Veronez, a pecuária ainda é a grande atividade econômica, sendo buscada até mesmo pelos moradores das reservas extrativistas.
Quanto aos conflitos agrários, Assuero considera que eles têm raízes diferentes dos que ocorriam na década de 1980. “Antes nós tínhamos um movimento de resistência contra o desmatamento por seringueiros que lá estavam. Hoje, ocorre invasão de propriedade, o que é muito ruim para o Estado”, declara.


A reserva extratitivista Chico Mendes

Mas, para muitos filhos e netos de seringueiros, a realidade de pobreza é a mesma, independentemente das mudanças na economia do Acre.
A possibilidade de ser expulso do seringal Capatará preocupa Adalcimar Alves da Silva, 36 anos, um dos 14 filhos de Graça Alves, que chegou ao local quando tudo ainda era mata.
Assim como os irmãos, ele nasceu e cresceu na floresta, mas está apreensivo com a possibilidade de ver a polícia na porta de casa com a ordem de despejo, mesmo com sua mãe tendo a titularidade de sua área.
“Eu nasci no Capatará, me criei aqui, não sei fazer nada além de plantar e colher minha produção. Se eu for para a cidade com mulher e filhos, passarei fome”, afirma.
Novos acrianos
Além dos ex-seringueiros, pessoas de fora disputam com fazendeiros da região e ex-seringueiros a posse das terras.
Com um facão na mão, a agricultora Albertina da Silva Moraes vai cortando os galhos da árvore no caminho até seu roçado. Lá ela mostra a plantação de milho e mandioca responsável por assegurar a renda do mês.
Ela é uma das “posseiras” que chegou ao Capatará há menos de cinco anos. À espera de um assentamento do Incra, ela preferiu invadir uma área a aguardar uma intervenção do órgão federal.
Com sua espingarda pendurada no ombro, Antônio José Bandeiras Farias, 35 anos, saiu de Rio Branco há três anos para ocupar o Capatará às margens do rio Acre.
“Eu não tenho profissão, não sei o que fazer na cidade. Roubar eu não vou, então trouxe minha família para cá para vivermos da terra”, diz.
Em uma região conhecida como Ramal do Cacau, no município de Bujari (distante 20 km da capital), a tensão entre posseiros e seringueiros se traduziu em violência, com uma morte sendo atribuída à briga pela terra.
Em outubro, adultos e crianças expulsas do Ramal do Cacau passaram a morar debaixo de uma ponte na BR-364. Sem ter para onde ir, voltaram ao local mesmo com o risco de sofrerem algum tipo de violência por parte de jagunços.
Antônio e Alberdina e os sem-terra do Cacau fazem parte das três mil famílias que estão à espera de serem assentadas pelo Incra.
De acordo o Instituto de Terras do Acre (Iteracre), o Estado tem hoje pelo menos sete áreas de conflito agrário, mas todas apenas no âmbito judicial.
O governo trabalha com a possibilidade de ter, até o fim de 2015, todas as famílias sem-terra assentadas; a prioridade, de acordo com o Iteracre, são as famílias acrianas há algum tempo no banco de espera.
“Nós não temos disputas armadas pela terra no Acre. Em comparação ao que aconteceu na época do Chico, há um clima de paz”, diz Glenilson Araújo, diretor-presidente do órgão.

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