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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

LÚCIO FLÁVIO PINTO, ALBERTO DINES, OS JORNALISTAS, HERZOG E A IMPRENSA



O fechamento do Jornal da Tarde, do qual vários departamentos da empresa tinham conhecimento, menos a redação, e a transformação da Newsweek em portal não deixam muitas esperanças sobre o futuro do jornalismo, mas é sempre bom ouvir alguém com 80 anos ainda acreditando na profissão, apesar dos donos de veículos de comunicação. Ainda mais na homenagem a Vladimir Herzog, jornalista assassinado pela ditadura em 1975.

Jornalismo, a missão interminável

Alberto Dines

Alberto Dines
Saudação proferida por Alberto Dines na solenidade de entrega do 34º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, que homenageou a ele e ao jornalista Lúcio Flávio Pinto com o Prêmio Especial “pelos relevantes serviços prestados à causa da Democracia, da Paz, da Justiça e contra a Guerra”. O evento ocorreu na terça-feira (23/10/2012), no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

“O melhor prêmio que se pode conceder a um jornalista é a oportunidade para seguir trabalhando. Somos escravos do efêmero, vítimas da fragmentação; assim como aos equipamentos, querem nos condenar à obsolescência, isto é, nos desativar, descontinuar. O reconhecimento é a nossa chance – ainda que fugaz – de avisar que estamos atentos, ativos, portanto vivos. Este privilégio vale mais do que medalhas de ouro. [...]
Também sabemos conviver com os holofotes, sobretudo em ocasiões como esta em que o inspirador deste prêmio, os objetivos da premiação e os companheiros premiados simbolizam os mais preciosos valores da arte jornalística – solidariedade, decência, dedicação.
Esta é uma festa, não é hora para lamentar a suprema ironia de, sendo arautos das mudanças, somos também suas primeiras vítimas. Cultores da palavra livre, estamos aprisionados por um palavrório vazio e perverso, geralmente composto por neologismos como “monetização”, “modelo de negócios”, “terceirização”, “outsourcing”, “sinergia”, “aliança estratégica”, “desativação”, “obsolescência”.
Éramos marginais no início, em seguida fomos reconhecidos como trabalhadores, depois nos transformaram em PJs, agora querem que sejamos empreendedores. Tudo bem, seremos empreendedores, mas pelo menos facilitem a desconcentração, abram espaços. Mas, por favor, não despachem nossos jornais para as nuvens virtuais porque de lá voltarão emitindo grunhidos com 140 caracteres.
Não pensem que o mundo é movido por gadgets, o mundo é movido por ideias, por gente. Sócrates, pai da filosofia, não sabia ler nem escrever e inventou o diálogo.
A informação hoje ou é codificada através de números ou glamourizada pela informalidade. Inovação é um vale-tudo que virou retrocesso. O jornalismo forjado na esfera do espírito e da moral está a reboque da banalidade. Éramos os buscadores da verdade, hoje querem de nós apenas meias verdades. Às vezes, apenas meias meias-verdades. Desde que abençoadas pelo capelão da empresa. Deo gratias.

Mesmo assim, estamos aqui, sob a égide de um idealista chamado Vladimir Herzog, irmanados pelo compromisso de restaurar o acontecido. Não somos juízes, mas sabemos desencavar destroços e com eles contar histórias. É a nossa especialidade.
Vladimir Herzog
Contar a história
A absurda tese do suicídio de Vladimir Herzog foi derrubada trinta e sete anos depois. Foi morto nas dependências de uma repartição militar onde se apresentou voluntariamente um dia antes. Mas não podemos esquecer que semanas antes Vladimir Herzog foi submetido a um autêntico bullying jornalístico por um profissional da imprensa marrom chamado Claudio Marques, que sugeria cinicamente sua internação no “Tutóia Hilton”, nefanda alusão à localização do Doi-Codi.

Herzog era tímido, não me conhecia, pediu a Zuenir Ventura que me contasse a campanha de difamação contra ele empreendida pelo colunista do Shopping News. Fiz uma denúncia no “Jornal dos Jornais” [coluna dominical de crítica de mídia publicada na Folha de S.Paulo entre julho de 1975 e julho de 1977], não adiantou: uma semana depois, Vladimir Herzog foi assassinado.

Claudio Marques, jamais foi convocado a prestar contas sobre sua cumplicidade. Vi-o uma vez na redação da Folha de S.Paulo, fazia parte da corriola da linha-dura que andava por lá, era próximo do coronel Erasmo Dias, assíduo em outras redações paulistanas.

Cabe a nós completar esta e outras histórias. Nossas pautas são enormes. Com prêmio ou sem prêmios precisamos tocá-las. Podemos ser encostados, jamais seremos descartáveis. Parafraseando Kant, nossa missão é interminável. Com ou sem papel, nosso papel é intransferível.”

Um comentário:

  1. Combater de uma trincheira frágil como é o Jornal Pessoal pessoas que se escodem atrás de bandidos togados é uma arte que necessita, acima de tudo de coragem. Parabéns Lúcio e Dines.

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