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sábado, 21 de maio de 2011

O CENTENÁRIO DA MORTE DE MAHLER

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O compositor e maestro Gustav Mahler (Kalischt, Boêmia, 7 de Julho de 1860 — Viena, 18 de Maio de 1911) é considerado o principal responsável por estabelecer a ponte entre a música do século XIX com o período moderno. Ele começou a romper os limites da tonalidade, abrindo caminho para a música revolucionária e atonal de Arnold Schönberg, Anton Webern e Alban Berg. Se vivesse hoje, no mundo da espetacularização, seria mais lembrado pela tumultuada relação com a bela mulher, Alma, do que por sua obra. 
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ALMA MAHLER


Gostar da música de Gustav Mahler

Por que Mahler? 
Nunca entendi por que o compositor era idolatrado. Agora que sei, confesso: eu era uma besta...
Peter Moon


(Leia mais sobre Mahler AQUI)
Em 2010, registraram-se os 150 anos do nascimento do austríaco Gustav Mahler (1860-1911). Em 2011, será a vez do centenário da sua morte. Eu não tinha mais desculpa alguma para continuar empurrando com a barriga o meu desconhecimento quase total da música de Mahler. Nunca descobri por que tantos músicos e maestros idolatram Mahler, alçando-o ao mesmo nível do trio sagrado da música: Bach, Mozart e Beethoven? Ou o trio já seria um quarteto? Decidi que 2010 seria o ano de conhecer Mahler. É o que venho fazendo com crescente interesse e dedicação desde 20 de março, quando fui à Sala São Paulo ouvir a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) tocar a Sinfonia nº 4, a primeira das cinco sinfonias de Mahler (de um total de dez) que a Osesp programou para 2010.
Minha primeira reação foi de desconforto e estranhamento. Cada movimento tinha um monte de andamentos. Que música maluca, meio sem pé nem cabeça? Levou um tempo para meu ouvido começar a sintonizar o som de Mahler. Era algo novo, algo que nunca tinha ouvido – e, por outro lado, não era... Por vezes, aquela música lembrava uma velha conhecida. Aos poucos, o estranhamento foi dando lugar à surpresa, ao ouvir passagens que claramente remetiam à música de Stravinsky, de Schoenberg, de Prokovief, de Shostakovich, de Bernstein e até do nosso Villa-Lobos. Todos estes compositores que adoro encontravam-se inseridos no universo sonoro de Gustav Mahler.
Aí, descobri! Fez-se a luz e tudo ficou claro. Mahler foi o último dos românticos e o primeiro dos modernos - e não Stravinsky, como eu sempre imaginara. Foi Mahler quem pegou o romantismo das barras de Brahms e Bruckner para esgotar as suas possibilidades, propondo o novo caminho a ser trilhado, o da música atonal. Mahler abriu as portas para a música do século XX, mas não teve tempo de cruzar o vão de entrada. Morreu em 1911. Coube a Stravinsky inaugurar a música moderna com A sagração da primavera (1913).
No primeiro semestre de 2010, foram três as sinfonias de Mahler apresentadas na Sala São Paulo: a Sinfonia nº 4 em Sol maior, em março, seguida pela Sinfonia nº 1 em Ré maior - Titã, em abril, e pela Sinfonia nº 6 em lá menor – Trágica, em junho. A estranheza inicial que senti na apresentação da Sinfonia nº 4 ecoou novamente nas audições das sinfonias nº 1 e nº 6. Tudo começou com o espanto. Este, por sua vez, foi se tornando uma agradável surpresa que, por fim, deu lugar ao prazer da descoberta e ao desejo de conhecer mais. Foi por esta razão que decidi ler a recém-lançada biografia Why Mahler? How one man and ten symphonies changed the world, do jornalista e crítico inglês Norman Lebrecht (Faber, 362 págs., £ 17,99). Comprei a edição inglesa pela Amazon UK. A edição americana só sai em 12 de outubro. Eu tinha pressa. E estou adorando! Lebrecht, de 62 anos, é um mahleriano confesso. Em 40 anos de jornalismo cultural, passou pelas redações do The Times, do Daily Telegraph e do London Evening Standard. Atualmente prepara um programa de rádio para a BBC. 
É assim, com os ouvidos na sala de concerto e os olhos na biografia de Mahler, que tenho passado algumas das melhores horas de 2010. Ressalvo que o meu ingresso no universo mahleriano, este caminho que se iniciou com um gosto de estranheza e prossegue agora com o sentimento de admiração, não foi nada fácil. Mahler não é fácil. Daí o título tão bem escolhido da biografia de Lebrecht: Por que Mahler? Sua música não provoca a alegria imediata da música de Mozart nem o deslumbramento de Bach.
Caricatura de Mahler regendo (1906).

Por que Mahler?
Gostaria de poder dizer que basta ouvir Mahler para gostar de Mahler. Isto pode ser verdade para você. Mas aposto que para a maioria dos amantes da música – e aí me incluo – esta não é uma condição suficiente. Para gostar de Mahler é necessário ouvir e entender Mahler. E entender Mahler significa conhecer – ao menos em pinceladas – a trajetória da música ocidental, do barroco de Vivaldi à atonalidade de Schoenberg.

Para admirar Mahler é preciso compreender as circunstâncias nas quais ele viveu. É descobrir como aquele judeu pobre nascido numa província miserável (a Boêmia, na atual República Tcheca) de um império decadente, o Austro-Húngaro, conseguiu se tornar, ainda antes dos 40 anos, o maior regente vivo – sim, regente, mas não compositor. 
O maestro 
A profissão maestro tem um início bem claro e definido na história da música; a surdez de Beethoven. Até o fim do século XVIII, eram os próprios compositores que regiam suas obras. A música era de câmara ou para pequenas formações. Bach (1685-1750) e Mozart (1756-1791) regiam sentados ao cravo ou tocando violino. Com as sinfonias de Beethoven (1770-1827), as orquestras se tornaram grandes demais para poder ser regidas por um dos músicos. O momento de inflexão é a Heróica (1803), a 3a Sinfonia de Beethoven. Quem fosse regê-la, não poderia tocar nenhum instrumento. Toda a sua atenção teria que estar voltada à partitura e à direção dos músicos. Este alguém era Beethoven – mas Beethoven nunca mais poderia reger. O ano de 1803 marca tanto o surgimento da Heróica (e da consagração de Beethoven como o maior compositor vivo da época) quanto à consumação da sua surdez. 
Alma Mahler
Se Beethoven não podia reger, quem o faria? Por que não elevar um músico à condição de regente? Criar um profissional cujo papel seria apenas e tão somente reger as obras de outros, o primeiro maestro. Durante o século XIX, houve vários. O mais importante foi Hans von Bülow (1830-1894). Ele era o regente das óperas de Richard Wagner. Também era seu empregado, seu vassalo, seu capacho – inclusive perdendo para Wagner a sua esposa, Cosima.
O maior de todos os maestros, no entanto, foi Mahler. Ao assumir a Ópera de Viena, decidiu proibir a entrada de pessoas na sala de concerto após o início do espetáculo. Foi também Mahler quem estabeleceu a disposição dos músicos da orquestra como a conhecemos, colocando os naipes de violinos e o spalla à esquerda do maestro, violas ao centro, violoncelos e contrabaixos à direita, os metais mais afastados e a percussão ao fundo. Mahler também proibiu o aplauso nas pausas entre cada movimento, reservando-os para o final. Aplausos em cena aberta, só em ópera.
O estilo de regência de Mahler criou uma linhagem. Entre seus discípulos diretos estavam os futuros regentes Bruno Walter e Wilhelm Furtwängler, ao lado do jovem Arnold Schoenberg. Tudo isso eu aprendi em O mito do maestro - Grandes regentes em busca do poder (Civilização Brasileira, 574 págs., R$ 61), uma obra enciclopédica e fenomenal de Norman Lebrecht. 
Desde a estreia da sua 1ª  Sinfonia, em 1888, as composições de Mahler tiveram por parte de crítica e público recepções quase sempre desastrosas. Na virada do século XIX para o XX, o gosto do público estava sintonizado com a música triunfal de Wagner. Já Mahler era amargo, melancólico e nostálgico. Sua música era o reflexo da personalidade complexa do compositor.
Gustav Mahler, por Emil Orlik (1902)

O compositor
Mahler era contradição. Após reger a Ópera de Budapeste, a segunda mais importante casa de ópera do império austro-húngaro, o caminho natural de Mahler seria reger a Ópera de Viena – mas ele era judeu num império repleto de leis anti-semitas e restrições ao trabalho de milhões de judeus. Em nome da sua arte, converteu-se ao catolicismo. Sem a conversão, sua ascensão ao cargo de diretor da Ópera de Viena jamais ocorreria.
Mahler é multiplicidade. Ele próprio dizia que tinha três origens, mas nenhuma identidade. Nasceu na Boêmia e era judeu. Brilhava na capital do império, cujo público não esquecia as suas origens na província. Com a conversão, tornou-se um estranho entre os judeus. 
Mahler é amargura. O artista que se entrega de tal forma à sua música que acaba por perder o amor da amada mulher, Alma. Ela passa a traí-lo abertamente. Toda a Viena – assim como ele – sabem disso.
Mahler é clarividência. Quando a sua música atinge a beira do precipício atonal, a nostalgia de um passado idílico que não mais existe dá lugar ao fatalismo sombrio da catástrofe iminente. É quando começamos a escutar os sons da mecanicidade tecnológica. Ribombam os canhões da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
A profusão de sons da metrópole moderna transparece na harmonia de algumas sinfonias. Um movimento cuja indicação de andamento era o allegro pode soar como música de funeral. Já uma marcha fúnebre pode, de uma hora para a outra, ganhar ares de valsa. Esta alteração de humor musical irrompe com tantas variações e nuances quantas seriam as surpresas e tragédias reservadas para o século XX. O espectro do holocausto é apenas um deles. 
A hora chegou 
Há 100 anos, o público não estava preparado para a revolução mahleriana. Como poderia? Mahler estava além do seu tempo. Ele sabia disso, tanto que certa vez afirmou: “Minha hora chegará”. Ele viveu desesperadamente, como quem sabia que tinha pouco tempo para completar a sua missão na Terra – exaurir as possibilidades do romantismo, reinventar a orquestra e a arte da regência. Todas estas eram pré-condições necessárias para que Mahler pudesse acenar na direção da música moderna. Conseguiu realizar quase tudo, antes de morrer prematuramente de uma falha cardíaca aos 50 anos, em 1911.
No fim dos anos 1950, quando o americano Leonard Bernstein assumiu a Sinfônica de Nova York, disse que o mundo já estava pronto para Mahler. “A hora de Mahler chegou.” No meio século desde a sua morte, a música de Mahler nunca foi esquecida – como aconteceu com a música de Bach por quase 80 anos, até ser resgatada por Felix Mendelssohn, em 1829 (essa é uma linda história, mas fica para outra coluna). Na Europa, com exceção do lapso do regime nazista, Mahler nunca deixou de ser ouvido. Mas, no resto do mundo, não.
Por que Mahler? Creio que cada leitor e cada ouvinte terão as suas próprias respostas para esta pergunta. Mas está na hora de começarmos a respondê-la. 
P.S.: Fica aqui um agradecimento especial ao meu querido amigo Luis Antônio Giron, o editor de cultura da ÉPOCA. Foi ele quem me mostrou o caminho das pedras para começar a devassar o universo de Mahler.
(Extraído DAQUI)


Não deixe de clicar AQUI para informações valiosas sobre Mahler em Nova Iorque.

Mahler, 1898

Mahler e uma de suas filhas

Alma Schindler

Alma Mahler e suas duas filhas
Anna (1904-1988) que depois se tornou escultora, e Maria Anna (1902-1907) que morreu de difteria em 1907


Sinfonia nº 5, parte 1, movimento 1, regido por Leonard Bernstein



Das Lied von der Erde Mahler (A Canção da Terra, regida por Bruno Walter)

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